segunda-feira, abril 4

Como dizer "acabar em pizza" em Inglês


Nos anos 50 na Rádio Gazeta AM, em São Paulo, entre 11h30 e 13h30, era transmitido o programa esportivo Disparada no Esporte, um programa de debates e atualidades do futebol, comandado pelo jornalista e comentarista Milton Peruzzi (entre vários outros jornalistas de ascendência italiana). Peruzzi era fanático pelo Palmeiras, cujo nome original era Societá Sportiva Palestra Itália. Ele contava com bons informantes que tinham acesso ao clube e sempre se mantinha informado sobre os bastidores das reuniões do Conselho de Orientação e Fiscalização (COF) – freqüentemente interrompidas por brigas e discussões. Apesar das peleias, os encontros acabavam quase sempre num restaurante italiano próximo ao Parque Antarctica, onde se chegava às pazes e ao consenso. O prato? Pizza, é claro. Peruzzi levava aquelas fofocas para seu programa de rádio e relatava como tudo, de novo, havia “acabado em pizza”.

A expressão disseminou-se por São Paulo ao longo dos anos seguintes, com a ajuda da imprensa e jornalistas esportivos, como Boris Casoy, que começou sua carreira como radialista esportivo em 1965, e que é Palmeirense. Até então, a expressão se limitava basicamente à região de São Paulo. Outros lugares do Brasil tinham frases populares parecidas, mas não iguais. No Rio de Janeiro, por exemplo, existia a expressão “acabar em samba” – conflito ou problema que termina sem resolução. Mas a expansão da expressão paulista começou anos depois, no dia 31 de julho de 1992, durante a crise do ex-presidente Fernando Collor, quando uma secretária paulistana chamada Sandra Fernandes de Oliveira depôs na CPI do PC Farias, e falou ao microfone: “Se isso realmente acabar em pizza como querem alguns, acho que é o fim do país.” A frase foi repetida e republicada pelo Brasil todo, até em charges. Como a expressão possui um significado especial, foi até substituindo a expressão carioca “acabar em samba”. Acabar em pizza vai além: é acabar em samba (em “nada”), mas, além disso, ao fim e ao cabo, todos os culpados e não culpados confraternizarão – como se fosse um almoço do Palmeiras, com risadas e garrafas de vinho e, é claro, muita pizza.Pela história única da expressão, e a cultura ítalo-brasileira que deu origem a ela, realmente não existe nada igual em inglês. A idéia que as pazes podem ser feitas ao redor de uma pizza (e comida e bebida em geral) é algo inerente à cultura italiana e também à brasileira. A cultura brasileira preza a amizade e a manutenção de bons relacionamentos. Briga-se, roda-se a baiana, lançam-se ameaças, mas são explosões que aliviam as tensões. Depois, vem a pizza. Já as culturas anglo-saxônias são um pouco diferentes. Não se discute tanto e as tensões se acumulam paulatinamente. As reclamações e insatisfações não se expressam tanto. Quando há discordância, acredita-se, nas culturas de quem fala inglês, que há que se chegar a uma solução, porém por rumos mais formais: contratos, acordos, cartas, etc. A idéia de poder solucionar grandes problemas com “pizza” é alheia à cultura dos americanos e britânicos. Para os anglo-falantes, como os neozelandeses, por exemplo, que vêm de um dos países menos corruptos do mundo, pensar que em vez de punição, tudo vai terminar – não somente sem solução nem castigo –, em camaradagem e “tudo bem, quem quer pizza?”, é algo incompreensível. Qualquer tentativa de tradução não fará jus a este significado especial em português:

◦acabar em pizza
nothing (will) come of it (+/-)
Nem vou acompanhar às notícias sobre a CPI. Tudo vai acabar em pizza mesmo.
◦I’m not even going to follow the news about the congressional inquiry. Nothing will come of it anyway.
Essa “tradução” não é fiel à expressão brasileira, pois significa, somente, “dar em nada”. Faltam os elementos de “impunidade” e “confraternização”. Lingüisticamente falando, a expressão é ainda mais interessante pela forma em que evoluiu ao longo dos anos, pois, quando colocada no contexto de corrupção, só a palavra pizza basta para entender do que se está falando. Dizer, em referência a algum escândalo, por exemplo, “foi pizza de novo”, se entende no Brasil todo. É mais uma palavra especial em português:

◦pizza
◦(?)
O falecido Milton Peruzzi não podia ter imaginado o tamanho da contribuição à língua que havia criado nem o quanto seria repetida a frase, meio século depois.
Ron Martinez

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